James Joyce, psicótico ou neurótico?
É no simbólico que o real é afirmado ou rejeitado ou negado (Lacan, Seminário 6, pág. 437).
Conforme à epígrafe acima, afirmar, ou negar a castração caracterizam respectivamente a neurose e a perversão. Rejeitar a castração é o próprio da psicose. Isto é, as estruturas clínicas organizam-se de acordo com a estrutura da linguagem. No neurótico há sempre um misto de dúvida, culpa e mal-entendidos; no perverso, a má intenção e o desmentido; no psicótico, a certeza, os neologismos e os fenômenos alucinatórios.
No filme O carteiro e o poeta (de Michael Rodford, 1994), o pobre estafeta já trabalhava como entregador particular das muitas cartas do poeta, mas também queria aprender a amar, características que Freud atribuía ao neurótico. Sem saber como abordar a moça dos seus sonhos, ele pede ao personagem Pablo Neruda uma receita infalível, e o poeta responde: “fale uma metáfora para ela”. Se o carteiro fosse um psicótico, talvez nem entregasse cartas, nem amaria do jeito que conseguiu, depois de chamar aquela dama de “borboleta”. A maneira como se fazem os jogos com palavras define as estruturas clínicas.
a) James Joyce era psicótico?
No caso da neurose, o recalque propriamente dito afeta os derivados mentais do representante recalcado (Freud, 1974, pág. 171), mecanismo pelo qual o representante dos afetos é barrado da consciência, reaparecendo, disfarçadamente, nos sonhos, sintomas e atos falhos. Na psicose, a forclusão do Nome-do-Pai deixa na cadeia significante uma lacuna cuja tentativa de recuperação, segundo Freud, é a produção de alucinações e delírios. Lacan acrescenta a possibilidade da suplência do Nome-do-Pai, através de um jogo de linguagem chamado de calembur.
“Calembur” é um conceito muito raramente abordado na literatura psicanalítica. Freud falou, de passagem, sobre ele (Freud, 1977, pág. 61), denominando-o como ‘Kalauer’ (calembours), [‘trocadilhos’], que passa por ser a forma mais baixa de chiste verbal. Com o nome de chistes, ele abordava outras formas de jogo de palavras, trocadilho, não-senso, calembures, risos, humor, anedotas etc, sem definir claramente as características de cada um.
Lacan utilizou o conceito de calembour em Le Séminaire, livre I, (Lacan, 1975, p. 258), traduzido literal e corretamente ao português por calembur, no Seminário, livro 1, (Lacan, 1979a, pág. 265), referindo-se à homofonia linguística entre Wort, a palavra e Ort, o lugar. Vinte e cinco anos depois, no Seminário 23, este conceito vai ser reformulado, agora como homofonia translinguística.
Teorizando sobre as psicoses, o significante calembour aparece também no Séminaire, livre III (Lacan, 1981, pág.135), que foi, a meu ver, equivocadamente traduzido ao português, no Seminário, livro 3, por “trocadilho” (Lacan, 1985, pág. 140). Defendo que esta tradução foi inadequada. O termo francês “calembour” consta nos dicionários brasileiros da Língua Portuguesa, com a grafia de calembur. Na edição argentina deste seminário, pela Ediciones Paidos, a tradução foi “retruécano”, retruque, réplica.
E no terreno das neuroses, no Séminaire, livre VI (Lacan, 2013, pág. 484), Lacan usa a expressão “jeu de mots”, muito bem traduzida no Seminário, livro 6 (Lacan, 2016, págs. 438-439) por “jogo de palavras”, ao afirmar que ‘Se as pessoas nos procuram é, em geral, porque as coisas andam mal na hora de pagar a conta à vista’, mas, assim, ‘o sujeito estaria mais frequentemente contente’. O trocadilho é entre “contante”, (comptant), e “contente”, (content), num processo em que o sujeito se conta.
Então, o que é um calembur? Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss, 2009 pág. 368), “é um jogo de palavras semelhantes no som, mas de significado diferente, que dá lugar a dubiedades jocosas”. Segundo o Dictionnaire Petit Robert, é um jeu de mots (Robert, 1976, pág. 215), um jogo de palavras com a mesma característica descrita acima. Segundo Picoche (1979c, no vocábulo bourde, pág.77), pode ser um gracejo, uma bobagem, um erro tipográfico, um aturdimento ou atordoamento.
Os jogos de palavras, em geral, trocadilhos, chistes e calembures, utilizam a homofonia, a homografia, e a repetição de letras e sons. Essas formas de linguagem são sempre tomadas, equivocadamente, como sinônimas.
Na fase inicial de seu ensino marcado pelo Simbólico, falando sobre as psicoses, Lacan afirma:
O inconsciente é, no fundo dele, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem. E não somente o significante desempenha ali um papel tão grande quanto o significado, mas ele desempenha ali o papel fundamental. [...] Se o inconsciente é tal como Freud nos descreveu, um trocadilho (calembour, no original) pode ser em si mesmo a cavilha que sustenta um sintoma, trocadilho (calembour, no original) que não existe numa língua vizinha. Isso não quer dizer que o sintoma está sempre fundado num trocadilho (calembour, no original), mas ele está sempre fundado na existência do significante enquanto tal, numa relação complexa [...] de universo do significante a universo do significante”. (Lacan, 1985, pág. 139-140).
Portanto, a simples existência de um significante enunciado ‘enquanto tal’, no Real, pode fundar um sintoma (ou não), desde que, na relação com outro significante, represente (ou não) um sujeito na enunciação do Simbólico.
Ao contrário do que afirmava Saussure, Lacan defende que um significante isolado não tem sentido em si mesmo, e que, portanto, ele não representa nem produz o significado, mas pode representar o sujeito para um segundo significante, eliminando o isolamento do primeiro. Concluímos, então, que o sentido de um significante emerge sempre de um nonsense. Resta saber de que maneira o significado se introduz entre dois significantes marcados, cada um isoladamente, pelo não-senso.
Para começar, o sujeito em pauta não é o sujeito da gramática, da realidade externa, mas, já desde Freud, é o sujeito da “realidade psíquica”, que atribui sempre outra significação ao seu dito, escolhida e determinada subjetivamente. Neste particular, Saussure (1995, pág. 80) também defende que o signo linguístico é uma entidade psíquica. Então, o significado só surge na relação entre os significantes, mediada pela subjetividade do falante, mas sem a relação biunívoca saussureana, em que significante e significado formassem uma só unidade autônoma e fechada. Para Lacan, a barra recalca e separa o significante e o significado.
Por isto, insisto em que seria mais interessante que a tradução do Seminário 3, ao português, tivesse mantido o mesmo significante (calembur), como aconteceu no Seminário 1, o que tornaria a leitura mais instigante. Sustento que o calembur não é um mero sinônimo de jogo de palavras ou um simples trocadilho, do mesmo modo que o chiste ou ‘dito espirituoso’ não é o mesmo que uma piada.
Quando o Ulisses, de Joyce, foi traduzido para o castelhano e publicado em Buenos Aires, em 1952 (Ulisses, 1952, pág. 8), o tradutor J. Salas Subirat destacou, na apresentação do livro, vários usos de calembur como, por exemplo, a resposta à pergunta: “Qual ópera se parece com uma linha de trem de ferro?” Resposta: Rose of Castille (Rows of cast steel).
Entre os conceituados estudiosos de J. Joyce, destaca-se a escritora Dirce Waltrick do Amarante (Amarante, 2009, pág. 24) que comenta as reações dos amigos de Joyce quando surgiram as primeiras publicações do Finnegans Wake: quando perceberam que era quase todo escrito em calembours (trocadilhos), ficaram perplexos, depois irritados, e finalmente indignados, tristes ou irônicos.
Em outra publicação (Amarante, 2015, pág. 21) refere-se ao título da obra-prima joyceana como sendo uma brincadeira nonsense, um calembur (como foi a definição de calembur do Dicionário Etimológico de Picoche, citado acima), ao estilo de Lewis Carroll. Ao defender o uso do termo calembur, (Amarante, idem, pág. 109) afirma: Evito cuidadosamente o termo “trocadilho”.
O título deste último livro de Joyce é baseado num folclore irlandês que conta a história de Finnegan, um pedreiro que pintava paredes e trocava telhas, sempre regado de uísque da melhor procedência. Belo dia, ele cai da escada e morre. Seus muitos amigos estavam no velório, bêbados. Um deles deixou escorrer o precioso líquido no rosto do defunto, que acordou.
Enquanto o Ullisses de Joyce descreve as atividades diurnas da humanidade, no período de um dia, fáceis de entender, o Finnegans relata os sonhos da humanidade em uma noite. O conteúdo manifesto de qualquer sonho é sempre um nonsense.
Proponho traduzir o título Finnegans Wake como um calembur composto do latim Finis negans (negando a morte), ou do latim e inglês Finis again wake (morte e ressurreição), já que wake significa acordar e, também, velório.
Minha proposta é tentar demonstrar que os vários jogos de palavras não são simplesmente sinônimos, mas caracterizam estruturas de linguagem correspondentes a diferentes estruturas clínicas. Vejamos:
I – Na estrutura da neurose.
Pelo fato de o sujeito ter-se submetido às leis da castração, temos expressões de linguagem, no registro do Simbólico, embora marcadas pelo mal-entendido, resultado da polissemia dos significantes, como nos exemplos de autoria anônima:
a) Jogos de palavras:
Formando uma sequência fônica típica, que não aparece na tradução, mas que é mais importante do que algum conteúdo de realidade que ela queira transmitir:
Le riz tentant tenta le rat; le rat tenté tata le riz tentant: O arroz tentador tentou o rato; o rato tentado comeu o arroz tentador.
Trou s’y fit, rat s’y mit: No que surge um buraco, o rato entra nele.
Ni trou, ni tache: Nem rasgão, nem sujeira, (na roupa).
Jamais on n’a vu, Jamais on ne verra, Un nid de souris, Dans l’oreille d’un chat. Nunca se viu, nunca se verá, um ninho de rato, na orelha de um gato;
Atirei o pau no gatô-tô...: A repetição da última sílaba tônica nas frases faz a diversão da criançada, independentemente de qualquer alusão malvada.
O rato roeu a roupa da rainha de Roma: Pouco importa o conteúdo da frase. Mas, começar as palavras com a mesma letra também é um chamativo.
Sol com chuva, casamento de viúva: Qualquer destas palavras pode provocar associações sintomáticas, independente de alguma realidade que ela queira enunciar.
O doce perguntou pro doce qual doce que era mais doce; o doce respondeu pro doce…
b) Jogos de frases:
Estes mostram uma reorganização diferente dos elementos de uma oração em outra, de modo que o sentido da segunda oração contrasta com o da primeira:
Há muitos livros no mundo, e grandes mundos nos livros.
Eu me rio nos banhos, e me banho nos rios.
c) Pontuações ou escansões:
O fazendeiro tinha um bezerro e a mãe do fazendeiro era também o pai do bezerro
O fazendeiro tinha um bezerro e a mãe. Do fazendeiro era também o pai do bezerro.
Se o homem soubesse o que tem, a mulher cairia de quatro.
Se o homem soubesse o que tem a mulher, cairia de quatro.
d) Homofonia linguística:
Freud usou como recurso clínico, na casuística do Homem dos Ratos, a associação das palavras homofônicas, em alemão, Raten rateio, e Ratten ratos, para solucionar o historial de uma fobia, organizada em torno destes dois significantes. (Freud, 1972a, pág. 215).
Lacan também utilizou a homofonia e homografia em palavras ou expressões prenhes de um novo significado, como Père-version, perversion(Versão do pai, perversão);
Le nom- du-père, le non-du-père, les non-dupes errent (O nome-do-pai, o não-do-pai, os não-tolos erram), resumo de toda uma teoria do Complexo de Édipo, da castração e das estruturas clínicas.
e) Ato falho:
Freud interpretou, no caso do Homem dos Lobos, o neologismo Espe, ato falho de Wespe (vespa, abelha), enunciada num sonho, e que recebeu do paciente a associação de S.P. (mesma pronúncia de Espe), que eram as iniciais de Serguei Pankejeff (Freud, 1976a, pág. 119). Bela ilustração de como um significante representa, produz ou induz o sujeito para outro significante que engendra a subjetivação e significação.
Numa antiga campanha política pelo interior de São Paulo, o candidato Ulisses Guimarães mandou recado aos eleitores que o esperavam, noutra cidade, para um comício: “Meu avião não conseguiu levantar votos”: uma tempestade impedira a decolagem.
Relato de paciente que, aos quatro anos de idade, perguntou pela própria origem, e ‘escutou’ a resposta: você nasceu da conjunção dos dois séculos opostos. A resposta, apesar da escuta falha do pequeno, desfez toda a sua angústia sobre a origem da vida.
f) Trocadilhos:
Nos trocadilhos, é comum a mesma palavra ou a frase inteira ser usada de maneira equívoca, com duplo significado, como nos exemplos:
Jogar o lixo no lixo. Substituição metonímica do conteúdo pelo continente.
Na filosofia aristotélica, o sofisma segue esse modelo, diferenciando-se do verdadeiro raciocínio silogístico, como no exemplo: “Todo cão ladra; ora, a Constelação é Cão; logo, a Constelação ladra”. A palavra ‘Cão’, por ser aqui metafórica, não é unívoca neste raciocínio, como exigem as leis do silogismo.
La corneille sur la racine boit l’eau à la fontaine: A gralha, sobre a raiz, bebe água na fonte.
La Corneille sur la Racine Boileau à La Fontaine: La Corneille, sobre Racine, Boileau em La Fontaine.
Nenhum dos significantes desta última frase recebe seu significado retroativamente. Eles têm a mesma sonoridade da penúltima frase, mas são significantes puros (nomes próprios), desencadeados. Todos são S1, significantes mestres, sem S2, cadeia significante. O uso das letras maiúsculas alterou esta sequência, que nem constitui uma frase, já que não tem sujeito, verbo, predicado. São citados quatro poetas e dramaturgos do Classicismo francês, da primeira metade do séc. XVI, mas não define nem aquele famoso grupo de poetas, porque não consta aí o principal deles, que é Molière, e que não se encaixaria na concordância fonética.
g) O chiste:
Também chamado de dito espirituoso é uma frase não premeditada nem ofensiva, mas inteligente que, em geral, surpreende o próprio autor, provocando um leve riso.
Freud relata o sonho de uma paciente, no qual aparecia o significante ‘canal’. Isto a levou a se lembrar do witz, tirado de uma conversa entre dois homens que viajavam de vapor, de Dover, na Inglaterra, para Calais, na França, atravessando o Canal da Mancha: “Du sublime au ridicule il n’y a qu’un pas”: Do sublime ao ridículo há só um passo. Sim, respondeu o outro: “Le pas de Calais”: O passo da Mancha. (Freud, 1972b, pág. 552 n.). O diálogo revela a velha rivalidade entre franceses e ingleses: a França é sublime e a Inglaterra é ridícula, apesar de separadas só pelo Canal da Mancha.
O dito espirituoso embute uma informação que não aparece expressamente nas palavras da frase.
h) Palavra-valise:
Criada por Lewis Carroll, como palavra composta, foi explorada à saciedade, por James Joyce, como, por exemplo, chaosmos (caos e cosmo).
i) Anagrama:
Supõe a inversão das letras, como Roma, amor; dream, merda.
j) Palavra-cabide:
Expressão criada por Dirce Waltrick, é uma junção de duas ou mais palavras, como “má conha”, “Luz ia”.
k) Soundsenses:
Palavras formadas por grande quantidade de letras que, quando lidas em voz alta podem simular o barulho de um trovão. Ou como o verso: “Eh-laô-lahô-laHÔ-O-O-ôô-lahá-á-á -- ààà!... AH-Ó-Ó Ó Ó Ó-Ó Ó Ó Ó Ó – yyy!... SCHOONER AHÓ-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó-Ó – yyyy!” (Fernando Pessoa, 1980, p. 223). Em alguns poemas, descrevendo os marinheiros em alto mar, esses são gritos à procura de outras embarcações.
l) Onomatopeias:
Palavras que representam um som ecológico, como bem-te-vi.
II- Na estrutura da perversão.
Há aí uma inversão do simbólico pelo imaginário, quando o sujeito finge um contorno simbólico legal, mas sua má intenção imaginária desmente o objetivo do discurso. Assim, o produto que ele entrega não é o produto oferecido ou solicitado.
a) É o que acontece na pedofilia, pelo tipo de sedução ou molestamento sobre uma criança ainda incapaz de julgar as verdadeiras intenções do adulto, ou no caso de estupro ou violência contra um adulto não consenciente.
Qualquer outra atividade sexual que conte com o consentimento dos parceiros é aceita sem restrição, sem julgamento moral.
b) É também o caso de uma mentira travestida de verdade, como no exemplo citado por Freud (1977, pág. 136): “Dois judeus encontram-se num vagão de trem em uma estação na Galícia. ‘Onde vai?’, perguntou um. ‘À Cracóvia’, foi a resposta. ‘Como você é mentiroso!’, não se conteve o outro. ‘Se você dissesse que ia à Cracóvia, você queria fazer-me acreditar que estava indo a Lemberg. Mas sei que, de fato, você vai à Cracóvia. Portanto, por que você está mentindo para mim?’”
c) No grande exemplo do sistema capitalista perverso, promete-se aos cidadãos a possibilidade de se tornarem ricos. Mas não lhes é dito que, para haver ricos, muitos têm que se tornar pobres contribuintes, do mesmo modo que na dialética hegeliana são requeridos muitos escravos para sustentar cada Senhor. É uma propaganda enganosa, palavra em cuja etimologia está o gerúndio do verbo ‘pagar’ (pagando).
III- Na estrutura da psicose.
Em função da forclusão do significante do Nome-do-Pai, surge uma lacuna na cadeia significante, que compromete o significado no discurso, criando o delírio, o nonsense ou a homofonia translinguística.
a) Pode ser em forma de alucinação:
É o que vemos na autobiografia de Schreber (1995, pág. 222), onde ele afirma: “Deveria ocorrer uma verdadeira emasculação (transformação em uma mulher), particularmente durante o tempo em que eu acreditei que o resto da humanidade tinha perecido, a solução me parecia um requisito indispensável para preparar uma renovação da humanidade”.
Do ponto de vista lógico, este raciocínio pode estar correto pela lógica formal, mas é incorreto pela lógica material, já que se baseia em uma premissa falsa, segundo a qual todas as pessoas já teriam morrido, exceto Schreber.
b) Com a homofonia translinguística:
No meu modo de pensar, o calembur não se assemelha a nenhuma das figuras de linguagem descritas anteriormente. Trata-se de palavras ou frases, simples ou compostas, sem nenhuma correspondência aparente de sentido com a outra, ou sem veicular, aparentemente, nenhuma informação, como vemos no livro Finnegans Wake (Joyce, 2012, págs. 47, 145, 159, texto bilingue). Estas palavras mantêm homofonia linguística ou translinguística, que não aparecem numa tradução a qualquer língua, como na tradução abaixo:
- O acasalamento cigano de um coveiro de grande estilo com o pãozinho de segunda doçura (uma interpolação: essas devorações não ocorrem só na família manducária dos Pão-com-manteiga dos MSS., Bb – Cod IV, Pap II, Lun III, Dinn XVII, Sup XXX, Fólio MDCXC: o escoliasta famintamente desatendeu o dobrar dos sinosdo morto como se se tratasse de bolinho mofino.
- Oh, quão fuusco que era! De Vale Maria a Grasyaplaina, dormemuito echo! Ah, Ser Eno! Ah, Zulivre! Era tão fuusco que as lágrimas da noite começaram a fluir, primeiro por umas e duas, então por três e quatros, enfim por cincos e seis de setes, pois as cansadas acordavam como agora choramos com elas. O! O! O! Par la pluie!
- O baú de chapéus que compunha a Romba, princesa Trebizonda, (Marga nosseus excelsis), compreendia um climaxtograma, imagine-seescalado prazerosamente por B e C, com sugestões de moda primaveril para cavalheiros, modas que nos reconduzem à formação de camadas sobrepostas do eoceno e do pleitoceno e as mudanças morfológicas ao nosso corpo político que o Professor Ebahi-Ahuri de Philadespoinis (III) – sobre o livro azul do qual acabo de desferir um golpe de graxa – sagazmente chama boîte à surprises.
Aquilo que Lacan (2007, pág. 162), chama de homofonia translinguística é uma figura de linguagem que consiste em escrever algo numa língua, imitando ou aludindo à fonia ou grafia de outra língua. Acontece que Joyce, no dizer de Amarante (2009, pág. 108), confirmada por Colette (Soler, 2018, pág. 146) conhecia mais de sessenta e cinco línguas, que misturava a seu bel-prazer, desafiando qualquer leitor. É importante advertir também que a língua inglesa usada por Joyce (1882-1941) é mesclada de resquícios do gaélico celta, já fora de uso.
Por exemplo, na frase já citada acima:
From Vallee Maraia to Grasyaplaina, dormimust echo! (Joyce, 2012, pág. 144);
Donaldo Schüler traduziu assim: De Vale Maria a Grasyaplaina, dormemuito echo! (idem, pág. 145);
Eu traduziria por: Ave, Maria, gratia plena, Dominus tecum (Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco (traduções próprias).
Um segundo exemplo joyceano, entre muitos (Lacan 2007, págs.162 e 165):
Who ails tongue coddeau, aspace of dumbillsilly?
A transliteração sonora em frances seria: Où est ton cadeau, espèce d’imbécile?
Em português: Onde está seu presente, seu imbecil?
Millot (2017, p. 104) alega que Lacan utilisou-se da homofonia translinguística no título do Seminário 24: L’insu que sait de l’une-bévu s’aile à mourre. Tradução proposta: O malsabido de um fora se joga no amor. Sugiro outra tradução, usando esta frase de Lacan (1979b, p.30): O inconsciente se acha na margem estritamente oposta à de que se trata no amor. Interessante como Lacan (Google, 2011) utilizava este recurso como interpretação clínica, como é relatado no documentário Rendez-vous chez Lacan (Um encontro com Lacan), no momento em que a paciente alemã relembra a época de perseguição pela Gestapo, e Lacan escuta como geste à peau, fazendo-lhe um carinho no rosto.
Definição de calembur?
Na falta de melhor definição do conceito de calembur na psicanálise, sugiro utilizar uma descrição proposta por Lacan (2007, pág. 162): “jogar estritamente apenas com a linguagem, […] desabonada do inconsciente, […] na medida em que ela é reduzida ao sintoma”. Em outras palavras, quando o significante, no Real, não representa o sujeito para outro significante.
Lacan reforça ainda mais:
Se o leitor fica fascinado é porque Joyce, em conformidade com o que esse nome ecoa o de Freud -, tem, no final das contas, uma relação com ‘joy’, o gozo, [jouissance], tal como é escrito na lalíngua que é a inglesa -, por ser essa gozação, por ser esse gozo a única coisa que, do seu texto, podemos pegar. Aí está o sintoma. [...] o sintoma é puramente o que lalíngua condiciona, mas de certa maneira Joyce o eleva à potência de linguagem, sem torná-lo com isso analisável (Lacan, 2007, pág. 162).
O mestre francês escreveu todo o seminário, número 23, sobre James Joyce, autor das citações anteriores, no qual Lacan (2007, págs. 120,121) destaca também o conceito de cópula, dizendo que
não há relação sexual, [...] o que somos, quando somos homem, é da ordem da copulação, isto é, do que transborda esta copulação na não menos citada e, de modo significativo, cópula, constituída pelo verbo ser. E acrescenta que o texto joyceano citado é um sonho que, como todo sonho, é um pesadelo, [...] e que o sonhador não é nenhum personagem particular deste livro, mas o próprio sonho. […]. É nisso que Joyce desliza, desliza, desliza até Jung, desliza até o inconsciente coletivo. Que o inconsciente coletivo seja um sinthoma, não há melhor prova que Joyce.
Eu não classificaria como calembur o título do Seminário, livro 20, Encore (Lacan,1982, pág. 5), porque este significante não está propriamente isolado, já que todo o texto do seminário é uma sequência deste título, ao desenvolver a teoria do gozo feminino, em que o desejo da mulher, por ser insatisfeito, reclama o Mais, ainda. Trata- se de um advérbio em francês, e dois em português, sem referência direta a algum verbo ou adjetivo.
Lacan insiste em dizer que, para a psicanálise, não há biunivocidade entre Significante e significado, com o exemplo das ‘duas portas do banheiro’ (Lacan, 1998a, pág. 502). Sob a imagem destas portas, em vez de repetir o significante ‘porta’, como faria Saussure devido a um suposto “vínculo natural entre o significante e o significado” (Saussure, 1995, pág. 82), Lacan escreve Damas e Cavalheiros, na parte de cima, definindo a primazia do Significante sobre o significado, e enfatizando que estas portas impõem uma ‘segregação urinária’, decorrente de um vínculo cultural, determinando qual entrada iremos escolher.
E Lacan ressalta:
“Um sistema do significante, uma língua, tem certas particularidades que especificam as sílabas, os empregos das palavras, as locuções nas quais elas se agrupam, e isso condiciona, até na sua trama mais original, o que se passa no inconsciente. [...] A doutrina de Freud é tão assim que não há outro sentido a ser dado a seu termo ‘sobredeterminação’, e à necessidade que ele pôs de que, para que haja sintoma, é preciso que haja ao menos duplicidade, ao menos dois conflitos em causa, um atual e um antigo. Sem a duplicidade fundamental do significante e do significado, não há determinismo psicanalítico concebível. O material ligado ao conflito antigo é conservado no inconsciente enquanto significante em potencial, significante virtual, para ser tomado no significado do conflito atual e servir-lhe de linguagem, isto é, de sintoma” (Lacan, 1985, pág. 140). “A significação é o discurso humano na medida em que ele remete sempre a uma outra significação”. (idem, pág.139).
O ‘material’ remete a ‘matéria’, que remete a ‘mater’, o objeto perdido que se tenta reencontrar. O significante potencial ou virtual seria a matéria, o ‘isso’ não recalcado (Real), que pode receber a forma de um significado enunciado pelo eu consciente (Imaginário), deixando latente a enunciação do sujeito do inconsciente (Simbólico).
Saussure descartava os fonemas no estudo da língua (1995, pág. 80): E porque as palavras da língua são para nós imagens acústicas, cumpre evitar falar dos “fonemas” de que se compõem. Ao contrário, Freud (1976b, pág. 26) demonstrou que um simples fonema já caracteriza o Simbólico, no dizer de seu netinho de dezoito meses: ‘o’, ‘a’ (Fort, da). Tal fonema transforma-se em Simbólico quando associado a um segundo elemento, o carretel, referência à presença ou ausência da mãe.
E quando Freud exige as associações livres como condição da análise, define a psicanálise como Clínica do Simbólico.
Nos textos sobre a psicose, Lacan trabalhou os neologismos e delírios do psicótico, na mesma trilha de Freud (Freud, 1969, pág. 94): A formação delirante, que presumimos ser o produto patológico, é, na realidade, uma tentativa de restabelecimento, um processo de reconstrução. [...] aquilo que foi internamente abolido retorna desde fora. A pergunta que fica é se este retorno vem necessariamente de fora (pelo Real) ou se pode vir pelo próprio Simbólico, como em James Joyce?
Tornou-se consensual afirmar que Freud não acreditava na cura (tratamento) do psicótico. Mas ele afirmou o seguinte (Freud, 1976d, pág. 76):
Pareceria, contudo, que o estudo analítico das psicoses é impraticável devido à sua falta de resultados terapêuticos. Os pacientes mentais, em geral, não têm a capacidade de formar uma transferência positiva. [...]
A transferência amiúde não se acha tão inteiramente ausente, mas pode ser utilizada até certo ponto, havendo a análise alcançado inegáveis êxitos com depressões cíclicas, ligeiras modificações paranoides e esquizofrenias parciais.
A tentativa é de restituição de uma lei que faltou, de um acidente na resolução do complexo de castração, uma lacuna, um significante potencial ou virtual, com a consequente falta de sentido na história do sujeito. Para Lacan, esta lacuna causou o desencadeamento da cadeia significante, ou a forclusão (Lacan, 1985, pág. 360) de um significante específico, o Nome-do-Pai, ou o Não-do-Pai, causando uma fixação num significante que, ao interromper a cadeia, não gerou significado. Assim, Lacan (idem, pág. 141), nos orienta brilhantemente na atividade clínica: as primeiras regras de um bom interrogatório, e de uma boa investigação das psicoses, poderiam ser a de deixar falar o maior tempo possível.
Sinthoma, o quarto nó
É por isso que, em termos metafóricos e com contradições, Lacan criou o termo de sinthoma para designar o quarto círculo do nó borromeano, e para significar que o sintoma deve ‘cair’, segundo sua etimologia, e que o sinthoma (antiga grafia de sintoma) é aquilo que não cai, mas que se modifica para que seja possível o gozo, o desejo (tradução nossa), (Chemama, 1993, pág. 283).
Este importante dicionarista Chemama não esclarece quais são as contradições (ou obscuridades?) de Lacan, citadas acima. Talvez possamos localizá-las no próprio seminário (Lacan, 2007, pág. 98) que teoriza sobre o sinthoma: Trata-se de situar o que o sinthoma tem a ver com o real, o real do inconsciente, se o inconsciente for real. Como saber se o inconsciente é real ou imaginário? É efetivamente a questão. Ele participa de um equívoco entre os dois. O inconsciente como Real é a instância do Isso freudiano, um inconsciente não recalcado.
Sugiro pensar que o inconsciente é real no caso em que o psicótico não fabrica a prótese, mantendo os delírios, como Schreber. Já o inconsciente será imaginário quando o ego criar a prótese, como no caso de Joyce. E o sintoma neurótico traz em si a marca do simbólico, pela incorporação da lei.
A nova grafia de Sinthome, diferenciado do sintoma, alude a uma ‘suplência’ do Nome-do-pai, que seria um quarto nó amarrando os outros três, para evitar o desencadeamento da psicose, como teria sido o caso de J. Joyce que, segundo Lacan, criou o Pai-do-Nome, com sua escrita, restaurando o anel do Imaginário que havia escapado. Trata-se de uma prótese, um ego substituto (idem, ibidem).
Lacan admite que a ideia de um quarto nó já estava em Freud, segundo relata a psicanalista Michele Faria: Fiel a sua referência a Freud, Lacan afirmará que a necessidade de um quarto aro que enodasse simbólico, imaginário e real já estava em Freud. [...] Relacionará o que Freud chamou de “realidade psíquica” com o quarto aro que enoda real, simbólico e imaginário, articulando-o ao complexo de Édipo (Faria, 2019, pág. 31).
Mas Lacan parece não se dar conta de que a ideia de uma prótese já fora também sugerida antecipadamente por Freud (1976c, pág. 231-232): na psicose, a fuga inicial é sucedida por uma fase ativa de remodelamento; que consiste (…) em efetuar mudanças internas, sendo autoplástico.
Lacan insiste em afirmar que as obras de arte, não só a escrita, podem produzir suplências do Nome-do-Pai. Poderíamos então afirmar que, no Brasil, nosso Joyce seria, por exemplo, o artista plástico sergipano Arthur Bispo do Rosário (1882-1941), que produziu mais de mil obras de arte, divulgado em exposições no mundo inteiro, tratado em hospital psiquiátrico pela Drª Nise da Silveira. Sua principal obra é o Manto de Apresentação, um bordado confeccionado durante anos, com nomes de pessoas conhecidas, para ser apresentado a Deus, como recomendação, no dia do Juízo Final. Esta foi sua prótese. Ao costurar o manto, cerzia seu próprio ego?
James Joyce era neurótico?
A maioria dos analistas e teóricos lacanianos, com base no seminário 23, e devido ao uso excessivo de calembures em Finnegans Wake, defenderam (equivocadamenete?) a tese de que Joyce era psicótico. Coloquei-me neste grupo, como ficou claro no presente texto até aqui. Mas há autores de peso, incluído o próprio Lacan, que questionam se Joyce era psicótico, até porque, noutros textos de Joyce, as figuras de linguagem são as mesmas do neurótico. De onde vem esta divergência? De imprecisões e contradições em Lacan, a meu ver.
Roland Chemama, supracitado, (Chemama, 1993, p. 283) não é o único autor importante a apontar contradições no “último Lacan”. Também Colette Soler (Soler, 2018, p. 121), em seu recente e extraordinário livro Lacan leitor de Joyce, denuncia reviravoltas desconcertantes que afastam Lacan de Freud e do próprio primeiro Lacan. Ricardo Goldenberg fala de um “ultimíssimo Lacan”, que teria elevado o real em detrimento do simbólico (Goldenberg, 2018, p. 245), e mudado vários outros conceitos (idem, p. 43). Philippe Julien comenta o caso Joyce, (Julien, 2002, p. 79), na primeira parte do seu livro, dedicada à psicose.
Bem recentemente, a partir de 2018, após o lançamento do primoroso livro de Colette Soler, surgiu grande polêmica entre os lacanianos, que antes consideravam indiscutível o diagnóstico de psicose no caso do James Joyce. A própria Colette, que defendia esta tese, mudou de ideia e reconheceu esse ‘erro’, ao afirmar que, no seminário 23, Lacan não emprega o termo “psicose”. Ele somente perguntou se Joyce era louco, mas o louco e o psicótico não são um só (Soler, 2018, p. 78).
O ‘erro’ foi suscitado pelo fato de Lacan ter explorado, no seminário O sinthoma, o conceito de Pai-do-Nome, substituindo o supostamente ausente Nome-do-Pai, ou o Não-do-Pai. Tratar-se-ia de uma prótese, diz Lacan, uma suplência. Ora, se faltava o Nome-do-Pai, tínhamos já uma psicose inquestionável pelo primeiro Lacan. Mas, para o último Lacan, Joyce era só louco. E como explicar? Na página 23 do seminário 23 está a resposta: O Nome-do-Pai é também o Pai-do-Nome. Então, a loucura é uma psicose? Não é à toa que, em programa de televisão, Lacan deixou gravado o seguinte: Todas as mulheres são loucas (Lacan, 1993, p. 70). Seriam psicóticas também? Ele não as considerava psicóticas.
Para estabelecer a suplência do Nome-do-Pai, Joyce teria construído um quarto nó, o sinthoma, ou o Pai-do-Nome, que amarraria os outros três nós que se soltaram em consequência da forclusão. Assim, Joyce torna-se louco. Mas, o que é a loucura? Será uma quarta estrutura? Lacan não defendeu isto.
Afinal, então, qual era a estrutura clínica de Joyce? Já que ele não era psicótico e não há uma quarta estrutura, só resta incluí-lo na neurose ou na perversão. Mas, sendo assim, não seria necessário o quarto nó e nem a prótese sinthomática, nem precisaria criar o Pai-do-Nome, porque já teria o Nome-do-Pai.
A reviravolta que se seguiu foi de considerer Joyce como neurótico, como um escritor de estilo único, de uma inusitada inteligência surrealista, de um domínio total da palavra e do simbólico. Seu ultimo livro é um primor de domínio da linguagem, uma literatura asssombrosa, que só não entendemos por limitação nossa. Se conhecêssemos as mesmas sessenta e cinco línguas que Joyce utilizou, se dominássemos as homofonias translinguísticas com as quais ele brincava, não precisaríamos esperar os trezentos anos previstos por ele para sabermos o que estava escrito ali.
Seus neologismos não se encontram em nenhum dicionário, mas o modo de criação deles seguia uma lógica possível de ser decodificável. Desafiante, sem dúvida, mas tudo dentro do registro simbólico do neurótico.
Conclusão
Num curto período de três anos, correspondentes ao Seminário 20, Mais ainda (1973), Televisão (1974) e Seminário 23, O Sinthoma (1975), todos do segundo Lacan do Real, entendo que o Mestre caiu em contradições que justificam a desorientação de seus discípulos no tocante à estrutura clínica de James Joyce. No seminário sobre Joyce, Lacan insistiu na necessidade da criação de quarto nó para enlaçar os outros três, da criação do Pai-do-Nome para suprir a falta do Nome-do-Pai e a forclusão, elementos estes todos que apontam para a estrutura da psicose, como brilhantemente constava no Seminário 3, As psicoses. Entretanto, no mesmo seminário 23, Lacan não defende a ideia da psicose, mas da loucura, em James Joyce. Só que a loucura não é psicose, até porque, um ano antes, como já foi dito, em Télévision (Lacan, 1974, pág. 63) ele atribui a locura a todas as mulheres, ao declarar: toutes les femmes sont folles, mas não psicóticas.
E recuando mais um ano, no Seminário 20, em 1973, Lacan define James Joyce como neurótico, no seguinte texto: O que é que se passa em Joyce? O significante vem rechear o significado. É pelo fato de os significantes se embutirem, se comporem, se engavetarem – leiam Finnegans Wake – que se produz algo que, como significado, pode parecer enigmático, mas que é mesmo o que há de mais próximo daquilo que nós analistas, graças ao discurso analítico, temos de ler – o lapso [...] O de que se trata no discurso analítico é sempre isto – ao que se enuncia de significante, vocês dão sempre uma leitura outra que não o que ele significa (1982, págs. 51 e 52).
A pergunta que resta: se confiarmos nesta última citação, cai por terra toda a questão do quarto nó, da suplência, da prótese e do Pai-do-Nome, porque o Nome-do-Pai já estava lá. O uso do calembur não determina necessariamente uma estrutura psicótica. Muitos escritores criativos cultivaram o nonsense, como Miguel de Cervantes, Lewis Caroll, os surrealistas e muitos outros.
Referências
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Geraldino Alves Ferreira Netto