Setembro amarelo: Prevenção ao suicídio?
Coordenador do curso de Pós-graduação e Formação em Psicanálise
Início dia 15/02/2019
Seria possível prevenir um suicídio decidido? Segundo Freud, nem uma psicanálise conseguiria isto. E por que a escolha do mês de setembro para esta suposta prevenção? Na falta de melhor explicação, é o mês em que tanto Freud (em 27-09-1939) quanto Lacan (em 09-09-1981) se suicidaram. Em 1938, Anna Freud sugeriu que toda a família se suicidasse, ante as ameaças nazistas. Esta proposta foi recusada pelo pai, que não quis proporcionar este prazer aos donos do poder.
Na língua espanhola, o verbo ‘morrer’ é pronominal: ‘se morir’, diferente de ‘matar-se’. Morrer-se, ou suicidar-se, implica num ato voluntário, de desejo, de quem escolhe interromper uma vida que não conseguiria mais ser vivida com dignidade.
Por este motivo, na literatura trágica da Grécia, registram-se dois tipos de morte: a morte biológica e a morte do desejo. A biológica perde toda a importância em comparação com a do desejo.
A história de Antígona é emblemática. Diante da lei de Creonte proibindo o enterro do irmão dela, Polinice, sob pena de morte, Antígona escolhe desobedecer a uma lei injusta cometendo uma desobediência civil, e providenciar o enterro. Contudo, antes de realizá-lo, decide morrer-se, para não trair seu próprio desejo, relegando a segundo plano sua morte biológica.
Não foi diferente o destino do filósofo Sócrates (399 a.C.). Um de seus amigos relatou-lhe que ouviu de um oráculo a informação de que Sócrates era um grande sábio. Surpreso e incrédulo, o filósofo só tinha uma certeza, a de que nada sabia. Filho de uma parteira, passou a aplicar, em si e nos seus discípulos, o método da maiêutica, o parto de ideias, desenvolvendo, nos jovens que a ele acorriam, o senso crítico do “Conhece a ti mesmo”. Todo o conhecimento passou então a ser questionado, incluída a ciência política, incomodando os donos do poder, que decretaram a morte de Sócrates, suposto corrompedor da juventude. Sendo coerente consigo, ele decide ingerir a cicuta, e morre ensinando a seus alunos, lúcido e sorridente. Ele aderiu também à corrente sofista, tão coerente com a descoberta da psicanálise.
Segundo a Psicanálise, além das duas mortes, logicamente, temos também dois nascimentos: o biológico, no parto, e o nascimento do sujeito, quando assumimos nossa independência para escolher uma estrutura clínica que vai nortear nossa vida e a assunção de nossos próprios desejos. Esta é a data que deveríamos comemorar em vez do aniversário biológico.
Como consequência, existem também dois tipos de leis: a primeira é a lei moral, por sermos cidadãos vinculados à cultura desde o registro de nosso nascimento, no cartório. Mas a verdadeira lei é a ética do desejo, que assumimos quando nos tornamos independentes sujeitos do inconsciente.
Num confronto entre as duas leis, nosso imperativo é a ética e não a moral. A lei moral nem sempre é legítima. Assumimos o compromisso com nossa verdade inconsciente individual, enquanto sujeitos humanos, mais do que enquanto cidadãos.
Qualquer tentativa de manipular, prevenir ou recalcar nossos legítimos desejos é um crime de morte. A aceitação e submissão a esta tirania chama-se servidão voluntária, conceito formulado por Étienne de la Boétie (séc. XVI). Alienar-se assim pode ser mais angustiante do que renunciar à vida. O suicídio não é um crime, pode ser uma libertação, uma celebração à vida. Setembro é primavera.
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