Nessa reunião, Sebastião comentou brilhantemente esse filme focalizando aspectos da impermanência da vida e do nosso posicionamento frente a isso. Em termos psicanalíticos utilizou como referência principal o texto LUTO E MELANCOLIA, DE FREUD ensejando fértil discussão sobre a diferença entre esses dois estados/sentimentos.
Porém, o que quero ressaltar aqui é a questão simbólica do filme em questão. Diz o poeta Motoori Norinaga (falecido em 1801):
Se me pedirem
Para definir o espírito do Japão
Eu diria que é a Flor da Cerejeira nas montanhas,
Perfumosa no sol da manhã.
A cereja é o símbolo do destino para o qual se deve preparar: romper a polpa vermelha para alcançar o duro caroço ou, em outras palavras, fazer o sacrifício do sangue e da carne a fim de chegar à pedra angular da pessoa humana, à busca do Invisível pela via interior, ou ao V.I.T.R.I.O.L. das iniciações ocidentais.
Essas iniciais formaram uma palavra iniciática relacionada aos alquimistas que expressa a lei de um processo de transformação relacionado ao retorno do ser ao mais íntimo núcleo da pessoa o que significa dizer: Desce ao mais profundo de ti mesmo e encontrarás o núcleo indivisível sobre o qual poderiaconstruir uma nova personalidade, um homem novo.
Parece-me que esse foi o processo do personagem ... Como poetiza Mário de Andrade, minha alma tem pressa, ¨sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço [...] o essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial!¨
Conhecida como Sakura, a flor da cerejeira é o símbolo da felicidade e quando se dá o equinócio de primavera ocorrem muitas festividades. As pessoas vão aos parques, levam comidas e bebidas e celebram a vida. Acredita-se que o chá feito com suas pétalas e servido nas comemorações matrimoniais proporcionará um casamento feliz.
HANAMI significa o ato de contemplação das cerejeiras em flor que deixam a paisagem deslumbrante. Sua efemeridade está associada à efemeridade da vida humana e ao lema dos samurais, qual seja, o de viver o presente sem medo.
Curta é a vida. Ou como diz Milan Kundera, vivemos a insustentável leveza do ser. É de Basho Matsuo esse pequeno e profundo Hai-Kai:
Minha casa incendiou
A cerejeira do jardim floresce
Como se nada tivesse acontecido
PRINCESA KONOHANASAKUYA HIME
Uma lenda conta que a palavra sakura surgiu com a princesa Konohana Sakuya Hime, que caiu do céu perto do Monte Fuji, tendo se transformado nessa linda flor. Por isso ela significa também a beleza feminina, a felicidade, a renovação e a esperança.
A Sacura (cerejeira) é, também, um símbolo de pureza, e por isso é o emblema do bushi, do ideal cavalheiresco que define os parâmetros para os Samurais viverem e morrerem com honra.
Na iconografia cristã, a cerejeira aparece como árvore do pecado original bíblico e às vezes é vista como alusões eróticas. ¨Quebrar cerejeiras¨, por exemplo, pode indicar o prazer do amor proibido.
Tal como no filme, tantos significados lembram outro Hai-Kai de Bosho, com o qual encerro esses comentários:
Quantas memórias
Me trazem à mente
Cerejeiras em flor
BIBLIOGRAFIA
BASHO, MATSUO. Trilha estreita ao confim. Trad. Kimi Tarenaba e Alberto Marcicano. Ed.Iluminuras, São Paulo, 1997, reimp. 2008.
CHEVALIER, Jean e GUEERBRANT, Alain. DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS. Trad. Vera da Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, AngelaMelim, Lúcia Melim. 28ª ed. revista e aumentada. Coord. Carlos Sussekind. José Olympio, Rio de Janeiro, 2015.
JORNAL CORREIO POPULAR¨Cerejeiras viram atração em praça¨. Campinas, 25 de julho de 2016.
LUKER, Manfred. DICIONÁRIO DE SIMBOLOGIA.Trad. Mário Krauss, Vera Barkow. 2ª ed. Martins Fontes, São Paulo, 2003.
Muito bom!