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Olá, Geraldino,
Por coincidência andei refletindo sobre o tema e publiquei nos blogs onde escrevo este texto:
O estrupo no “Paulina”: tensões e ambiguidades
O filme “ Paulina” (no original, “La patota”) , de Santiago Mitre, 2015, Argentina/Brasil/França, propõe uma versão relativizada do estrupo juridicamente entendido como crime sexual hediondo.
Paulina é o nome de tradição religiosa da personagem ficcional central interpretada por Dolores Fonzi. Na volta à sua terra natal situada na fronteira do Paraguai com o Brasil, após abandonar o doutorado de Direito em Buenos Aires, e tornar-se uma professora da escola rural comprometida com a luta pela liberdade e os direitos humanos , ela tem a convicção de que a única maneira de contribuir para a transformação da estrutura social e familiar é seu compromisso com a verdade. Acontece que a dimensão ética desse seu compromisso é colocada em cheque, depois de ser estuprada por um dos componentes da patota de moradores locais. Há então uma reviravolta contestável no filme e passa a prevalecer o oposto.
Paulina, motivada pela lógica do sacrifício feminino, recusa-se a denunciar o estuprador, embora esteja plenamente ciente da natureza sexualmente promíscua e criminosa do estupro como fica claro nas suas discussões com o pai, um juiz de Direito bem conceituado no local protagonizado por Oscar Martinez; além das conversas com a tia substituta de sua mãe ausente e rival, e com a amiga ex-namorada do estuprador com quem ela foi confundida pela patota dos rapazes que, ao assedia-la, exibem sua potência uns para os outros.
Na situação pós-traumática em que se instala, para Pauline, a chance de se sacrificar é em nome daquilo que se torna mais vital: o seu desejo de ter o filho gerado no estrupo. Assim, o assunto da investigação policial dos criminosos, na verdade, funciona como moldura que conduz o espectador para o tema real do filme: o conflito entre o pai, comprometido com a lei e a decisão da filha como uma contribuição à luta pela igualdade social.
A decisão de Paulina corresponde ao que Zizek, citando Kiekegard, chama de suspensão política e religiosa da ética (lembrando que Paulina é uma refilmagem de “La patota”, filme Argentino de 1960, no qual Paulina era de religião católica e como tal, não provocaria o aborto). Surge então uma tensão entre o religioso e o ético que atinge igualmente o pai e a filha, e se mantém viva até o final do filme, por refletir uma outra tensão: a culpa de ceder em seu desejo por força da decisão do outro que, em ultima instância, é do que o sujeito pode ser culpável.
Dinara Machado Guimarães
Autora de livros em Cinema, Psicanálise e literatura
Rio de Janeiro, junho 2016.