Foi no início da década de 1980 que se realizou, no Rio de Janeiro, o famoso Congresso das bananas. Na época, o Brasil assistia a uma nova invasão francesa, de psicanalistas: Jacques-Alain Miller, Gérard Pommier, Joseph Athié, Colette Soller, Allain Grosrichard, Elisabeth Roudinesco, além de outros que não recordo. Trouxeram-nos excelentes contribuições, já que praticamente nada sabíamos de Lacan, não podíamos acompanhar os seminários dele, e os textos só chegavam às nossas livrarias com atraso (alguns seminários não chegaram até hoje). Então, dependíamos deles.
Curiosamente, também imigraram para cá vários argentinos na época, com um grande cabedal de conhecimentos lacanianos à nossa frente, bebidos na fonte de Oscar Masotta, que difundiu na Argentina a nova peste. Os argentinos não tentaram nos colonizar, até porque chegaram acuados ou foragidos da ditadura portenha. Não nos incomodaram neste aspecto, e muito ajudaram.
Mas, com os franceses, o sentimento de colonização e de superioridade deles era claro. Representavam o ‘croissant’ (Como era gostoso o meu francês!). Acontece que o croissant nem francês é, foi uma invenção árabe que funcionou como senha par um levante não sei qual. Representa a lua crescente, oriente.
Sentíamos falta de uma pitada tropicalista de cultura brasileira na psicanálise, essa cultura pândega, colorida e lúdica do samba, futebol e carnaval, tão nossa, mas considerada, na época, de baixa categoria. Os franceses não tinham esse DNA. Então, por obra do Magno Machado Dias (MDMagno), muito bem acolitado pela Betty Millan, surgiu a ideia daquele congresso maluco e muito divertido, que convidou um famoso artista da época, o Tunga, com suas performances. Tudo ali cheirava a Dionísio. Bananeiras decoravam o ambiente, e daí, chamar-se de Congresso das bananas foi só um passo. O rico simbolismo fálico das bananas (para nós ‘falo’ é substantivo e verbo) incluía o gesto de ‘dar uma banana’ para os franceses. Vingança?
Ressalte-se que o Magno é um poeta, de vasta cultura literária, identificado com Brasil carioca do Baixo Leblon, e a empolgação era geral. O trio Márcio Peter (falecido), Oscar Cesarotto e eu, futuros fundadores da Associação Livre, tínhamos acesso fácil ao Magno. Foi muito divertido, como Lacan pleiteava no Sem. I, pág 94, (1ª edição): “Quanto mais próximos estamos da Psicanálise divertida, mais se trata da verdadeira psicanálise”.
Só um detalhe: a citada Associação Livre, no auge de sua carreira de formação de analistas, foi surpreendida pelo autoritarismo de J-A. Miller, que a dissolveu, sem consulta prévia aos membros, para fundar sua Associação Mundial de Psicanálise. Como retorno do recalcado, a Associação Livre foi refundada, em 2014, pelos mesmos fundadores de antanho (resguardada a memória de Márcio Peter de Souza Leite), com o mesmo ‘espírito do tempo’ que continuará nos inspirando.